Barracas Técnicas. Esse nome não é só pra fazer bonito. Ele tem um significado bastante preciso. Uma barraca técnica está intrinsecamente associada a uma atividade que requer conhecimento e técnica de quem a desempenha. Logo, escolher uma barraca técnica requer... bem... técnica.
Quem me conhece de perto sabe que desde julho de 2017 estou planejando uma viagem que tende a ser a mais desafiadora da minha vida. E por isso ela poderá ser também surpreendente e bela.
Em algum momento entre o fim de março e início de abril de 2019 eu parto para algo em torno de três meses de viagem. Serão aproximadamente 15 mil km somando estradas e passeios, onde passarei por seis países da América do Sul: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru e Bolívia.
Como eu vou? Sozinho em uma scooter de baixa cilindrada (PCX 150 DLX 2016) carinhosamente batizada de Leandra Legal. Daí o nome da expedição: PCXpedition.
Jabá: PCXpedition e a Leandra Legal têm instagram e canal no youtube.
Imagem do Post: por Tim Burke.
Não sou rico, não tenho vida fácil e nem sou de aço. Ficar os três meses previstos fora requer um caminhão de planejamento para que os custos sejam factíveis para o meu escasso orçamento, ao mesmo tempo que me permita ficar longe de roubadas e riscos desnecessários.
Uma parte significativa dos gastos é justamente no quesito hospedagem. Acampar é uma opção que, de acordo com minhas pesquisas, reduz muito o orçamento requerido. De quebra ainda me provê um meio para contemplar a beleza dos lugares que irei com uma proximidade muito maior entre eu mesmo e a natureza que sempre esteve lá.
Mas aí vem o problema: numa moto de baixa cilindrada, toda bagagem será castigada. Barracas recreativas são, por definição, pesadas e volumosas. Eu não tenho esse luxo. A solução: barracas técnicas.
Barracas técnicas são produtos criados para pessoas que praticam esportes de alto desempenho ao ar livre. Essas pessoas são trekkers, hikers, montanhistas, ciclistas cross-country e outros bichos livres e impetuosos. Esses perfis se encaixam como luvas em motociclistas de baixa cilindrada.
Essas barracas em geral possuem três características em comum: leveza, pequenas dimensões quando desmontadas e excelente resistência ao vento e a chuva.
Existem um monte delas por aí, das mais variadas marcas e modelos. Mas depois de muito pesquisar sobre o tema, conversar com pessoas e até a fazer curtas viagens para conhecer alguns modelos pessoalmente, me vi com mais dúvidas do que respostas. Estava começando a produzir critérios subjetivos para tomar uma decisão.
Critérios tipo: 'vou poder dormir vendo as estrelas', 'essa cor aparece melhor no caso de resgate', 'a tela da parede deixa frio passar', 'mas é tão bonita', essas coisas que não leva ninguém a lugar nenhum.
Não estava dando certo. Então decidi apelar para a boa e velha engenharia de projetos.
Calculando o Custo/Benefício de uma Barraca
Pesquisando sobre métodos para determinar de modo comparativo o custo/benefício entre produtos similares, encontrei este aqui. O que gostei nele é que cada característica de um produto recebe notas bem objetivas. Veja:
- Não atende;
- Atende em alguma coisa, mas deixa muito a desejar;
- Atende parcialmente, pois você gostaria de algo melhor;
- Atende totalmente a sua necessidade atual;
- Atende a sua necessidade atual e também apresenta recursos que vão atender você no futuro.
Bravo! Super simples de entender e avaliar.
Outra coisa interessante da metodologia é que cada característica recebe um peso. As mais importantes PARA MIM tiveram peso alto, as menos relevantes ganharam peso baixo, numa escala que vai também de um a cinco.
Para que conseguisse atribuir um peso, determinei as seguintes restrições:
- Tenho pouca potência: 13,1cv (a BMW R 1200 GS que ilustra este post tem 125cv);
- Tenho pouco espaço: 40l no baú debaixo do banco + 45l no baú traseiro + 60l em dois sacos estanque de 30l cada = 145l (um VW Gol tem porta-malas de 285l);
- Tenho pouca capacidade de carga: 180kg segundo o fabricante, incluindo piloto, bagagem e acessórios. Peso 75kg, fica 105kg pro resto, mas quero usar bem menos que isso por causa da perda de potência nas altitudes dos Andes (a mesma BMW R 1200 GS aí de cima leva 220kg);
- Vou enfrentar climas diversos: calor, frio, chuva, vento forte;
- Haverão terrenos de diversos tipos: pode ser que eu não tenha onde ancorar os espeques.
- Ficarei isolado: preciso cozinhar;
- Estarei cansado: preciso montar a barraca rápida e facilmente e quero descansar com algum conforto.
Com base nessas restrições, atribui pesos aos seguintes grupos:
- Volume e estrutura: peso 5;
- Avanço e footprint: peso 4;
- Dimensões do quarto: peso 3;
- Materiais: peso 2;
- Regalias: peso 1.
Faz sentido, né? Faltam só as competidoras. Escolhi as quatro barracas técnicas mais fáceis de encontrar no mercado nacional e similares entre si (para comparar bananas com bananas, e não bananas com maçãs). São elas:
Existem muitas outras, claro! Mas essas são as que julguei que poderiam me atender melhor dentro da faixa de preço que eu estava disposto a pagar.
Daí foi só obter as especificações técnicas dos fabricantes, adicionar alguns dados que vi pessoalmente em cada uma delas e planilhar tudo. O produto que possui o menor número de custo/benefício é o melhor para O MEU USO. Veja o resultado (clique aqui para ver grandão):
A Quechua Quick Hiker 2 é a melhor barraca técnica que eu posso obter dentro dos parâmetros que necessito.
Subjetivamente eu estava inclinado pela Azteq Mykra, mas a análise da relação custo/benefício me mostrou que eu estava errado. Economizei R$ 247,01 (38,18%) na aquisição da barraca enquanto mantive quase todos os recursos que eu preciso, com exceção do footprint - que é compensado por um material de piso melhor, apesar de não ser ripstop.
Para a Azteq Mykra se equiparar ao custo/benefício da Quechua Quick Hiker 2, ela teria que custar no máximo R$ 550,90, ou 14,85% mais barato do que o preço mais em conta que encontrei. A Nautika tá metendo a faca! :P
Se você quiser a planilha pra fazer uma análise sob medida para as SUAS NECESSIDADES, basta acessá-la aqui. ;)
E aí? Gostou? Desgostou? Concorda comigo? Discorda? Dispara aí nos comentários...
Atualização em 31/03/2018 as 20:40
Antes que alguém questione o motivo de eu ter dado notas menores para o poliéster das Quechua e o duralumínio das Azteq, já vou me adiantar na explicação.
O poliéster (cujo nome comercial é tergal, marca da Rhodia) é uma fibra sintética mais moderna que o nylon (nome comercial da poliamida, marca da DuPont). Por este motivo o poliéster também é mais resistente. Acontece que eu tenho experiência com o nylon ripstop - parapentes são feitos com ele. O fato de um pequeno rasgo não se propagar por causa do ripstop já salvou muitas vidas no vôo livre. Se o poliéster das Quechua fosse também ripstop, teria dado nota 5 a ele e não 3, mesmo sabendo que ele é tecnicamente mais resistente que o nylon.
Já o duralumínio é uma liga da série 2XXX (Al-Cu), cujo limite de resistência mecânica varia entre os 300 MPa (megapascal) da liga 2117 e os 405 MPa da liga 2011. A Azteq não especifica qual a liga utilizada em suas varetas e espeques.
As ligas da serie 7XXX (Al-Zn) - conhecidas popularmente como 'alumínio de aviação' por serem comumente usadas para esta finalidade - possuem limite de resistência mecânica entre os 360 MPa na liga 7005 e os 675 MPa na 7001 usada pelas varetas das Quechua. A liga 7075 dos espeques tem o limite nos 505 MPa. Fica fácil portanto entender porque o alumínio das Quechua é superior ao duralumínio das Azteq. Dá cinco pra ele!